_____Conta Clearco que o rei egípcio Psamético pôs em prática um experimento com seus escravos, pois desejava torná-los mais fortes. Primeiro proibiu-os de cortar os cabelos e lhes incentivou o louvor à vaidade. Logo após, enclausurou-os numa de suas terras e lá ordenou a especialistas que ensinassem seus homens a fiar e a cozer. O passo seguinte foi encarregá-los, especificamente, de todas as atividades domésticas daquele palácio. Isto feito, quis trazê-los a público: não tardaram os gracejos. Também não se atrasaram os abusos: dentro de pouco, foram estuprados por estranhas, por conhecidas. E também por amigas. A culpa era deles, diziam. O rei Psamético então permitiu aos servos que retornassem à presença de parentes próximos: foram ainda mais violados. Mães, avós, irmãs mais velhas, tias, primas. Obrigavam-lhes ao sexo até se esfolarem. Até tingirem-se de espesso rubro o pênis, o ânus. Mas se ouvia pelas ruas que eles gostavam, que gemiam, que gozavam: que quiseram. Tempos depois, trouxeram-lhes fetos e reavivaram nefastas lembranças. Agora deviam se desdobrar entre os afazeres da casa, os vários filhos, o cuidado excessivo para com o corpo. Perdiam o sono e a fome. A saúde. Eis que lhes impuseram esposas. Com isso, tornaram-se ainda mais escravos. Vieram, às pressas, novas violências: aumentava a frequência dos pisos escorregadios, das facas úmidas, das distrações que causavam hematomas. Eram desastrados mesmo, comentavam. Não investigavam. Aí começaram os gritos, as insanidades, os suicídios. Multiplicavam-se humilhações, traições, incestos: ergueram-se abomináveis categorias: pai-irmão, tio-filho, pai-sobrinho. Nenhum sobreviveu.
Raul Colaço