pedro lourenço
Porra, acabou o café! Na verdade, acabou desde terça, mas todos os dias abro o pote e reclamo. É só esta raiva que tenho pra passar pelo filtro. É ela que tem me acordado. Na sacola tem pão duro. Na geladeira, queijo duro. Eu? Duro.
Corto o pão. Dobro o queijo. Coloco o queijo dentro do pão. Não tem manteiga. Subo pra laje. Sento na cadeira de plástico. Mordo o pão. Porra, sem café é foda.
Em cima da estante da sala tem R$ 6,50. A grana certinha pra ir e voltar do trampo. Um bico de garçom numa festa infantil lá na puta que pariu, bairro de barão. Os pirraia são tudo rosadinho, só vendo. Os cabelos bem fininhos. Falam uns negócios que não entendo, umas palavras em inglês, mas são massa. Foda são os pais. As mães de óculos escuros, se encolhendo quando chego perto. Os cara sempre falando no telefone, parece que nem me veem. Uma bandeja que anda sozinha, que lombra do caralho!
Em cima do dinheiro, Jesus, flutuando no meio das nuvens, os braços abertos pra mim, uns raios dourados saindo das mãos, a moldura faltando o pedaço da direita. Jesus branquinho igual filhote de patrão.
Quando eu era bem pequeno, minha madrinha me entregou a Xangô. E entregou Xangô a mim. Disse que eu sempre podia contar com ele. Xangô não deixava nada barato. Mas mainha virou crente. Madrinha morreu. Perdi Xangô.
O pão ainda rolando dentro da boca. Os R$ 6,50 ali, o restinho da grana do último trampo. A hora de descer a ladeira pra pegar o busão chegando. Porra, sem café é foda.
Cato a grana e corro pra rua. O pão deixei com Jesus. Uns cachorros que estavam na esquina se assustam e começam a vir atrás de mim latindo. Finjo que vou jogar uma pedra e eles vazam. A banca do jogo do bicho nem abriu ainda. Dona Fia varrendo a calçada, devagarinho, juntando uma folha de cada vez. O mercadinho acabou de abrir, não tem ninguém. Pego um pacote de café, um de cream cracker e um pote de margarina. R$ 7,85 tudo. Deixo o resto pendurado.
Vou balançando a sacolinha pela rua, sem correr dessa vez. Paro e falo com Dona Fia. Ela pergunta se o filho da minha prima já nasceu. “Não, tá cedo ainda. Nasce lá pro fim do ano.” Menino ou menina? “Tá cedo ainda.”
O cheiro de café enche a cozinha. Sento na laje com a margarina e a bolacha no colo, a xícara no chão. Vou ouvindo os barulhos que aumentam lá embaixo. Gritaria, risada, moto, portão rangendo. Dou uma mordida, tomo um gole. Porra, café é foda.
Entro por trás no ônibus, sento perto da porta. O cobrador não implica comigo. Sabe que quando tenho, pago. Na janela os morros vão diminuindo até sumirem. Desço, tudo prédio em volta. Procuro o endereço, peço ajuda a uma moça num fiteiro. Acho um puta condomínio todo branco e cinza. Chego em cima da hora. Me dão logo a camisa que vou ter que vestir, visto. Mas antes de sair do banheiro, mando uma mensagem pro filho de madrinha. Pergunto se hoje ele vai estar lá pelo bairro. Ele também é de Xangô. Perdi o meu, vou precisar de ajuda pra reencontrar. Os branquinhos e rosadinhos até me dão alguma coisa, mas é pouco e difícil de engolir. Com um deus preto é diferente. O caminho que Xangô cruza é farto e justo. É o que madrinha dizia.
nossa que historia massa, o melhor são os detalhes, da para imaginar cada palavra do texto, é muito foda nossa realidade. principalmente na questão da religião, eu amor ver jesus preto, para mim ele, mas nossa sociedade racista e burguesa diz que o cara é branco e louro ai é foda, mas nosso pai Xangô é foda e nos ajuda é justo com os seus. segue nesta fé e vai meu amigo, meu irmão meu amor
quero mais /o/
eu admiro tanto esse menino Pedro!