Como Apolo,ganhamos uma liramas nosso corpoilha de areia e ossoafunda-se sem profecia Danilo Santos Fernandes
Categoria: Poesia
Promessa
Se eu falar de amorenquanto tudo desmorona,por favor me escuteem meio ao silêncioque faz nas ruasa pele sonhando abraços– o longe nunca foi tãolonge – e se eu falar de amoré como antídotoa essa solidão de portas fechadasmãos afastadase quando tudo isso passara gente faz cafée diz amenidadesa gente se abraça mais fortese beija mais devagaraté ter…
Remis
Eis a saudadeEla sambaPobre saudadeMal ditaNão importa se o dia é de todosEla varre teus pésTu definhas.Lavo as mãosE o relógio me cozinha,Sem tesãoNenhum prato de farinhaÉ capaz de encher essa ferida:A saudade bateu em minha porta,Não deixou nenhum prato de comida.Tum, tum, tumBate a colher na panela,Pronde eu olhoSe avisto às vistas dela,Seu retrato…
Uma dor em Recife
Milena Wanderley A carência é a doença do século XXI.Não se sabe se foram as redes sociais,Não se sabe se são as ondas do WifiO fato é que há carência, e fúria.Há carência, fúria e fel. As pessoas andamcomo cobras cuspidorasA cuspir desamor.A projetar no outroSeus vácuosSeus fardosSeus cacosDe estimação. É gente que só anda…
Batom vermelho
16/08/2020 Ela acordou cinza, talvez por tanta falta de sol que os tempos atuais proporcionam, sombrios. Ela se olhou no espelho, esboçou um sorriso, puxou a boca, esticando a pele como se fora resolver a alegria. Ela viu a imagem no espelho, falaram-lhe que precisava de luz, de raios de sol, de claridade. Como num…
A saudade de um passado que nunca viviMicroscopicamente se transforma em desejo ficcionalAi de mim que nunca fui, não sou e sempre quis ser. Um gérmen. Um germe.Sussurra. Camufla. Perturba. Cala. Não. Para. Vai …O que é isso…. Eu. Nós. Nada. Tudo. Márcia Garçon
Filha do Espírito Santo
29/08/2020 A inocência lhe escorreuEra sangueNão era a menarcaEsta nunca chegouTantos foram os abusosQue não sabe o que é menstruarRoubada de suas bonecasQue em desespero mudo apenas assistiamÀ subtração da infânciaDos sonhos idílicosQue em nenhuma outra idade somos capazesUm cabra safadoDe desejo adoecidoPerversidade afloradaTransforma a crueldade do abandonoEm desumanizaçãoQuantas meninas ainda,Tacitamente, perecem entre abusos?Quantas vozes,…
O espelho que há na noite
Malthus de Queiroz Quando despertar a alta madrugada Na contramão dos relógios ocupados Veste em ti o homem insondável E adentra resoluto as incertezas Contempla o mistério urdido No eco das palavras arbitrárias E como colhesse a erva e o trigo Arranca do escuro as cores impensáveis Para compor teu espelho irrevelado Imagem que furtiva…
Na margem
Na margem do olho do furacão Caminhamos ermos, mas conectados. Da margem, a força centrípeta É mais forte. Samsara vadeia na roda de samba. Faísca de luz na saia que gira. Na gira, Padilha não recua Não fica tonta Ela dança No centro dela Todas as forças Universais Gritam Gargalham E dançam Milhões e milhões…
Margens
No salão principala escada rolantecompulsiva e constantevomitando degrausnas esquinas alegreso caosde terno e piercingsa fome espertabatendo carteirasna frente dos shoppingsputas, pedintes, meninaspontes ligeirascruzam rios chapadose a vida trafegaem buzinasfaróis acesose vidros fechados [Malungo, in Digitais, p.152]