Se eu falar de amorenquanto tudo desmorona,por favor me escuteem meio ao silêncioque faz nas ruasa pele sonhando abraços– o longe nunca foi tãolonge – e se eu falar de amoré como antídotoa essa solidão de portas fechadasmãos afastadase quando tudo isso passara gente faz cafée diz amenidadesa gente se abraça mais fortese beija mais devagaraté ter…
Categoria: Literatura
Remis
Eis a saudadeEla sambaPobre saudadeMal ditaNão importa se o dia é de todosEla varre teus pésTu definhas.Lavo as mãosE o relógio me cozinha,Sem tesãoNenhum prato de farinhaÉ capaz de encher essa ferida:A saudade bateu em minha porta,Não deixou nenhum prato de comida.Tum, tum, tumBate a colher na panela,Pronde eu olhoSe avisto às vistas dela,Seu retrato…
Água não tem cabelo
Água não tem cabelo e vida é água. Vida é rio, onda que vai e volta. E não adianta querer se agarrar nela. Água não tem cabelo. A vida escapa. No seu conteúdo, memórias, lembranças, arquiteturas que se apregoam mais nas urgências do hoje do que na coisa mesma. Ela, a coisa mesma, nem é…
A saudade de um passado que nunca viviMicroscopicamente se transforma em desejo ficcionalAi de mim que nunca fui, não sou e sempre quis ser. Um gérmen. Um germe.Sussurra. Camufla. Perturba. Cala. Não. Para. Vai …O que é isso…. Eu. Nós. Nada. Tudo. Márcia Garçon
Filha do Espírito Santo
29/08/2020 A inocência lhe escorreuEra sangueNão era a menarcaEsta nunca chegouTantos foram os abusosQue não sabe o que é menstruarRoubada de suas bonecasQue em desespero mudo apenas assistiamÀ subtração da infânciaDos sonhos idílicosQue em nenhuma outra idade somos capazesUm cabra safadoDe desejo adoecidoPerversidade afloradaTransforma a crueldade do abandonoEm desumanizaçãoQuantas meninas ainda,Tacitamente, perecem entre abusos?Quantas vozes,…
O espelho que há na noite
Malthus de Queiroz Quando despertar a alta madrugada Na contramão dos relógios ocupados Veste em ti o homem insondável E adentra resoluto as incertezas Contempla o mistério urdido No eco das palavras arbitrárias E como colhesse a erva e o trigo Arranca do escuro as cores impensáveis Para compor teu espelho irrevelado Imagem que furtiva…
Margens
No salão principala escada rolantecompulsiva e constantevomitando degrausnas esquinas alegreso caosde terno e piercingsa fome espertabatendo carteirasna frente dos shoppingsputas, pedintes, meninaspontes ligeirascruzam rios chapadose a vida trafegaem buzinasfaróis acesose vidros fechados [Malungo, in Digitais, p.152]
Pandemia
Com o tempo, reaprendemos a sorrir com os olhosA ler o olharFazia há muito que não nos víamostão de pertotão profundoA ponto de desejar a vidade antes disso tudoA ponto de querer não estaraquiTão desprotegidoEm fuga constanteCom medo do que não há core nem texturaCom medo, e apenas com medoDo que há…dentro de nós. Celeste…
Profundidade
Tudo ao meu redor amadureceO Outono é um senhor num olivalTanta gente e ninguémSou de poucas palavrasVivi tantos séculosE me arrastoProcuro um poema que diga o contrárioSó sei ouvir o silêncioAssuma os erros, mas não caia!Caí muitas vezes e assumi.Contei até quarenta, quarenta dias, quarenta noites.Deserto.Esperei tanto e ele nunca veioEsperei tanto e ele nunca…
La pandemia va
Alana ouviu a buzina. — Meu deus, já? — disse em voz alta. Jogou a toalha na cama, pegou o vestido, pôs os sapatos. No espelho, passou batom apressadamente, ajeitou os cabelos. Nova buzina. No carro, Juan falou, com algum sarcasmo: — Algumas coisas nunca mudam. Meia hora depois, estavam na fila de espera do…