Água não tem cabelo e vida é água. Vida é rio, onda que vai e volta. E não adianta querer se agarrar nela. Água não tem cabelo. A vida escapa. No seu conteúdo, memórias, lembranças, arquiteturas que se apregoam mais nas urgências do hoje do que na coisa mesma. Ela, a coisa mesma, nem é mais. Nem o registro escrito a resguarda. Quando eu mesma leio isso que escrevi, um novo agora já se constrói. E a palavra que foi trocada já cobre de ontem o que era mais anterior. O tempo-vida é ligeiro. Ele tem cabelo não. Aí, colega, se a gente não cuida, a gente se afoga tentando se agarrar no que já foi. Vê? O que tu lesse, o que eu escrevi, onde eu estava quando escrevi… Tudo isso é contigo. Eu, nessa de criar cabelo com palavra, só consigo inventar sargaço que é cabelo de mar. Palavra, sargaço, eu… Tudo é de boiar. Água não tem cabelo, colega. Cuidado pra não afogar.
Milena Wanderley