
Em dias especiais costumamos exercitar a gratidão. Agradecemos pelas nossas vidas, pelas vidas das pessoas que amamos e pelo presente que é o compartilhar da existência com pessoas especiais ao nosso lado, isso porque faz parte da nossa tradição eleger tempos, dias no calendário, para exercitarmos isso com mais força, com mais plenitude.
Mas o tempo, senhor de todas as coisas, nos prova, algumas vezes, que ele não é nosso para que o repartamos em horas, dias, meses. E esse 2020 tem sido desafiador nesse sentido, porque, nesse tempo, tenho vivido os dias comuns com mais plenitude do que os dias especiais. No dia das mães, não saímos de casa porque eu não sentia segurança e estava às voltas com as aulas remotas, hoje, dia dos pais, estou em isolamento domiciliar por conta de uma gripe com suspeita de COVID 19. Fiz o exame na quinta-feira passada e o resultado, segundo a enfermeira, só com sete a oito dias. Então, até eu receber o e-mail com a certeza de que não tive COVID 19, estou isolada no quarto. E isso já faz cinco dias. Conclusão: nesses dois dias de 2020 eu não pude chegar perto das minhas mães e pais e tudo tem relação com a pandemia.
Contudo, diferente do que eu senti no dia das mães, hoje eu observo, sinto, acolho com mais leveza o fato de eu não poder vê-los. Já se vão quase cinco meses convivendo com essa doença e todo tipo de cuidado a ela relacionado. São cinco meses assistindo pessoas queridas perderem pessoas amadas, são cinco meses assitindo a zero políticas públicas eficazes por parte do governo federal. Chegamos a marca de 100 mil mortes por COVID 19 no Brasil e as perspectivas não são as melhores. Mas como sinto diferente hoje? Sinto diferente porque a compaixão tem me feito mais forte. E forte é diferente de anestesiada. Hoje eu sinto que preciso vibrar amor e me afastar do desespero. Sinto-me triste. Mas menos afetada. Aqui, do meu quarto, eu reconheço os meus privilégios e penso no que posso fazer, em qual é o meu papel nisso tudo.
Eu tenho uma vontade enorme de contribuir com o debate em torno das estratégias que deveremos articular em torno da educação, mas também sinto que haverá um tempo para isso e que não é agora. Agora é hora de cuidado, de acolhimento, de olhar para dentro e exercitar o amor que pode nos salvar como coletividade. Aprender outro ritmo, ter outro ritmo. É como aprender a andar novamente, com outras pernas, em outro chão, com outra gravidade incidindo sobre nós. E é doloroso, sem dúvida.
Então, o que essa pandemia, esse tempo, tem me ensinado especificamente nesses dias (tendo em vista que, notemos, há um padrão colocado aqui para mim nesse ano)? Que as datas não importam tanto se há amor, se há afeto, se compartilhamos, no próprio tempo, nossa existência com pessoas especiais, se , a cada dia, seja ele qual for, a gente consiga verter amor em direção a essas pessoas.
Aceitar um outro ritmo, um outro passo, assumir uma nova postura, uma nova experiência com o tempo. Transcender um tiquinho de cada vez, encontrar no silêncio um refúgio e na palavra um ponto de mutação. São pequenos passos, pequenos aprendizados.
E você, o que tem aprendido?
Milena Wanderley